domingo, 10 de março de 2013

El viaje

Este é, eu juro, o último papel que restou do meu quarto vazio, onde eu passei 6 anos de alegrias agridoces. Notem que ele sobreviveu, valentemente, à minha fúria assassina/budista de desapego material e emocional, o que faz dele, simultaneamente, a coisa mais corajosa à minha volta e a coisa que vai para o lixo depois deste post.

Eis o conteúdo do papel (não sei o que foi que eu escrevi e o que foi de outrem):

Eu ouvia chapinhar no barco
Os pés descalços
E pressentia os rostos anoitecidos, de fome.
Meu coração foi em pêndulo entre ela e a rua.
Não sei com que força me livrei de seus olhos
me safei de seus braços.
Ela ficou nublando de lágrimas sua angústia
Atrás da chuva e do cristal.
Mas incapaz de gritar-me: Espera, vou contigo!
Otelo Silva
Despedida de Guevara a Chichina
(Notas de Viaje)

[Essa é possívelmente a despedida mais cruel do mundo e a tradução mais mal feita. "Cristal" em espanhol, neste caso, é vidro.]

"Parecia que respirávamos mais livremente um ar mais leve que vinha de lá, da aventura. Países remotos, façanhas heróicas, mulheres bonitas passavam em círculo por nossa turbulenta imaginação"

"Agora sei, quase com uma fatalista conformidade, que minha sina é viajar, que nossa sina, porque nisso Alberto é igual a mim. Talvez um dia, cansado de rodar pelo mundo, volte a me instalar nesta terra argentina"

De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto.
Subo monte, desço monte,
meu peito é puro deserto.
            Eu ando sozinha,
            ao longo da noite.
            Mas a estrela é minha.
(Canção da tarde no campo.
Cecília Meireles)
Natasha 5555-3871 


E com esse pedaço de papel, e a estranha mensagem que ele contém, me despeço de você, São Paulo. Me despeço também da solidão específica do meu coração.

Adeus.

R.

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