quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Crônica de SP 2

24-10-2006

Os loucos da Paulista são muitos. Não digo os loucos relativos - os homens de pasta, os tamancos nervosos. Falo dos loucos clássicos: os loucos da Paulista são muitos. Os ouço da minha janela, todos os dias discutindo, não vejo seus rostos, não é necessários ver os rostos. Ouço as vozes que as sirenes acompanham.
Hoje eu vi um deles operando - complicadíssimo - o poste de luz. Não olhei para o seu rosto, não é necessário ver os rostos, percebi que usava um terno muito gastado, como os loucos dos filmes, a barba grande, como os cabelos. Não olhei para o rosto, as unhas dos pés eram abortos dos dedos - tortas, incertas, cobertas de um tipo escuro de sangue. Olhei para o pé e nunca percebi que ele também tem rugas, severas rugas que encolhem os dedos e fazem a pele dobrar-se no chinelo havaianas.
Alarmes disparam em intervalos, vejo o sinal fechar pelo barulho dos freios, os ônibus entregarem os passageiros de pasta e os tamancos nervosos, vejo as motos antigas se intrometerem com os carros, e os carros que demoram a atravessar o sinal, as crianças esganiçadas pedindo dinheiro. Ouço cada uma das buzinas. Não é preciso ver seus rostos. Não é preciso sentir pena.

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