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quinta-feira, 8 de março de 2012

Sobre o ensaio

Tradução da orelha do livro Literatura de Izquierda, de Damián Tabarovsky:

O ensaio é um passeio, ou melhor, uma deriva, quer dizer, uma excursão ousada, imprevisível e cheia de riscos através de zonas pouco exploradas do pensamento. Seja a cavalo, como Montaigne, ou a pé, como Nietzsche, seu impulso é se afastar de qualquer servidão mental, vagar longe de casa em busca de uma ideia própria. Esta é uma coleção que busca recuperar os atributos originais do ensaio (a digressão, a plena expressão individual, o humor, a imaginação e a resistência frente ao saber pragmático) para resgatá-lo da indigência acadêmica e da prosa enlatada do mercado que o tomaram como refém. Na coleção Derivas, o ensaio volta a ser o vagabundo dos gêneros: livre, ocioso e errante, sua única finalidade é perder-se.

Malditos argentinos...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

a verdade, segundo heidegger



"Falsidade só é possível contra um fundo de verdade e de concordância sobre a verdade. Mesmo assim, há falsidades. Mas Heidegger não parece vê-las como algo que consiste no fracasso de uma frase em corresponder com a realidade. É mais uma questão de encobrir as coisas, distorcê-las, e isso pode ser feito de outras formas além de fazer afirmações falsas, por omissão ou por ações não-verbais. (Como diria Macaulay: "Uma história em que cada mínimo incidente pode ser verdade, pode ser, no todo, falsa"). A verdade, por contraste, consiste em desvelar as coisas. Consiste em iluminar coisas ou dar luz a elas. É uma questão de grau, de mais ou menos, ao invés de sim ou não. A iluminação nunca é completa e nunca está completamente ausente."
Michael Inwood. Heidegger, a very short introduction. Oxford University Press. p. 50. Minha tradução.

Ainda tentando descobrir uma forma de citar livros "for dummies" na dissertação. Vou ler todos e vou citar física quântica também -- me sinto A professora de física depois que traduzi aquele documentário sobre a teoria da relatividade, em que descobri o papel secreto da mulher do Einstein na coisa toda. E que ele pode ou não ter batido nela, mas definitivamente a proibiu de terminar a graduação.

Grande gênio, bah!

terça-feira, 20 de abril de 2010

aperitivo: sylvia molloy

falando nisso, li um livro excelente hoje, entre esperar no consultorio médico e me desvencilhar do tédio em sala de aula. chama-se "varia imaginación", de uma escritora argentina chamada Sylvia Molloy, que más bien é crítica literária. o livro inteiro é um presente que você vai dar a si mesmo depois de ler este post, e está um pouco mal representado nesse capítulo traduzido a seguir por mim.

(vale lembrar que o livro é uma autobiografia).

RUIN

Um homem morre e, em seu cofre, junto com algum dinheiro que deixa a sua amante, a mãe de seu filho, deixa todas as cartas que mandou a outra mulher, com quem manteve uma relação paralela. Desde já é a amante que abre a caixa. Ele lhe havia dito: Tudo o que está lá é seu.

Depois das reações de rigor (indignação, ódio, principalmente uma enorme pena, não tanto pela morte dele, mas pela sensação de desperdício) a mulher se pergunta o que fazer com as cartas. Podia devolver-las a outra mulher, mas seria revelar que estava a par do papel que a outra teve na vida do homem que amava, ou que havia amado alguma vez, e não queria colocar-se em uma posição que a diminuía. Também não tinha coragem de jogá-las fora, porque eram cartas dele, e porque não se jogam cartas fora, mesmo que sejam alheias (tinha feito isso com cartas de seu pai a sua mãe e agora se arrependia). E também, por que não? Porque pensava que algum dia, quando já não a importasse leria as cartas do começo ao fim, com calma, sem que a leitura ficasse intolerável. Tudo o que está lá é dela, ele mesmo disse. Fecha o cofre depois de pegar o dinheiro; fecha também o apartamento, deixando esses planos vagos para algum futuro que nunca acontece, porque vai com o filho morar na França. Por causa da cabala, não vende nem aluga o apartamento. Quem sabe um dia não tenho que voltar à Argentina e quero um teto.

Anos depois, com a mãe já morta, o filho volta à Argentina. Quase como um turista: fala espanhol mal, se sente mais confortável com o francês. Quer recuperar o apartamento que foi de seu pai, de quem a mãe também não lhe falava, e quando o fazia era com amargura. É como retroceder no tempo. O apartamento está tal e qual era há dez anos, a cama (lembro dessa cama) a meio fazer desde aquele então, as toalhas penduradas no banheiro, os panos de prato na cozinha, murchos como se tivessem acabado de secar a louça. Encontra um par de fotos de um homem que talvez seja e talvez não seja seu pai. Quer encontrar uma semelhança com ele; não consegue. Chama um chaveiro para abrir o cofre e encontra as cartas. Percebe, pelo tom, que são cartas de amor, algumas vulgares, outras sentimentais, a autora se dirige ao destinatário com um nome privado, talvez secreto, e assina também com um apelido: não entende a maioria das alusões. Deduz (ainda que a princípio não reconheça a letra) que são cartas de sua mãe a seu pai, deduz que se amavam muito. O fato o tranquiliza e se permite fazer uma imagem do pai. Vende o apartamento e volta com as cartas à França.

Eu poderia ser a mulher que encontrou as cartas; ou a que as escreveu. Mudei detalhes, inventei outros, adicionei um personagem. A ficção sempre melhora o presente.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

tradutor da apple

"o paizinho poderia chicotear acima de uma refeição do cinco-curso"

=

"dad could whip up a five-course meal"

terça-feira, 18 de agosto de 2009

"Creio (...) que a organização e a aclaração, ainda as medíocres, de um algébrico assassinato ou de um duplo roubo, comportam mais trabalho intelectual do que a caseira elaboração de sonetos perfeitos ou de incômodos diálogos entre desocupados de nome grego ou de poesias em forma de Karl Marx o de ensaios sinistros sobre o centenário de Goethe, o problema da mulher, Góngora precursor, a étnica sexual, Oriente e Ocidente, a alma do tango, a desumanização da arte, e outras inclinações da ignomínia".

Borges, em forma.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

tradução

a pedidos, com vocês a tradução deste artigo controverso da Revista Ñ, o (excelente) suplemento literário do jornal argentino El Clarín.

O blog como espetáculo íntimo

Em uma mesa do Filba (Festival Internacional de Literatura de Buenos Aires, que aconteceu em novembro) três jovens romancistas e bloggers latino-americanos discutiram suas experiências com o popular meio digital. Eles opinaram sobre as vantagens de escrever um blog, mas também admitiram que começa a ser um gênero esgotante.

Por: Andrés Hax

O blog já era? Continua sendo uma novidade? Um meio que pode usurpar, complementar ou até destruir a literatura? Os blogs são um meio legítimo para que um autor amador faça chegar sua obra –ou seus diários íntimos—a um público anônimo mas potencialmente massivo? Um blog pode servir como um laboratório público de idéias íntimas que serão as sementes de um livro comum e corrente?

Moderado pelo jornalista da Revista Ñ, Diego Erlan, três escritores convidados se dedicaram a debater acerca destas questões no painel do Filba "O Blog como espetáculo íntimo". O brasileiro Daniel Galera (1979) uma das figuras da nova narrativa de seu país; O peruano Santiago Roncagliolo (1975) autor da novela Abril Rojo (“Abril Vermelho”, em tradução literal), entre outras, e também de um livro recém editado chamado Jet Lag que surgiu –justamente- de seu blog; e, finalmente, o argentino Oliverio Coelho (1977) considerado como um dos representantes da nova narrativa argentina e autor do blog conejillodeindias.

A conclusão? Algo pode ser adivinhado no vídeo desta nota ao escutar as opiniões dos palestrantes, mas em termos gerais pode-se dizer que foi detectado certo esgotamento do gênero blog. Em seu auge –que se poderia enquadrar em mais o menos dois anos atrás— representava uma tentação irresistível tanto para autores amadores como conhecidos e em sua maioria jovens. Depois de tudo, o blog é realmente uma tecnologia ou um suporte extraordinário: qualquer pessoa com acesso à Internet pode se converter em seu próprio editor. O efeito: milhões de pessoas se aproveitaram desta oportunidade e agora, além da incrível abundância, começa a existir uma espécie de fastio, de esgotamento.

Existe uma expressão comum em inglês: "If it aint broke, don't fix it." Algo assim como "Se não está quebrado, não invente de consertar." E o livro não está quebrado.

O blog vai continuar atraindo escritores e leitores de toda índole, mas o melhor do melhor, o que vale a pena ler, vai continuar sendo publicado em livros. Ao menos essa é a opinião deste cronista, depois de assistir ao debate a quatro vozes hoje no Filba.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

chega!

Vou parar de fazer posts, porque depois não tenho nada pra dizer pras pessoas, na rua.

Ainda tentando convencer o suricate de que Vallejo é a maior diversão, taí outra tradução do Trilce.

XVIII

Oh as quatro paredes da cela.

Ah as quatro paredes alvejantes,

que sem remédio dão ao mesmo número.


Criadeiro de nervos, má brecha,

por seus quatro cantos como arranca

as diárias acorrentadas extremidades.


Amorosa chaveira de inumeráveis chaves,

se estivesse aqui, se visse até

que hora são quatro estas paredes.

Contra elas seríamos contigo, os dois,

mais dois que nunca. E se chorasse,

diz, libertadora!


Ah as paredes da cela.

De elas me dói entretanto, mais

as duas largas que têm esta noite

algo de mães que já mortas

levam por platinados declives,

um menino de a mão cada uma.


E sozinho vou ficando,

com a destra, que faz por ambas as mãos,

ao alto, em busca de um terciário braço

que há de pupilar, entre meu onde e meu quando,

esta maioria inválida de homem.



Em breve, todo o meu pulso século XVII, com Góngora.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

momento tradução

já que eu não tenho nada melhor pra fazer e eu prometi pro suricate que eu ia agir a respeito do gosto (duvidoso, duvidosíssimo!) poético dele, resolvi traduzir um poeta peruano do início do século XX, Cesar Vallejo. Esse poema já deve ter sido traduzido antes (mas se não está no google, não existe pra mim) e faz parte de um livro de poemas chamado "Trilce", cujo nome não tem tradução, cheio de mais nomes sem tradução que dão a impressão de que sempre existiram e de que você algum dia soube o que significava mas esqueceu. Enfim, emocionante.

Esse é o número VI (fica sem formatação, o que perde um pouco):

O terno que vesti amanhã

não o lavou minha lavadeira;

o lavava em suas veias otilinas*,

no jorro de seu coração, e hoje não hei

de me perguntar se eu deixava

o terno turvo de injustiça


A hora que não há quem vá às águas

em minhas pautas retifica

o lenço para emplumar, e todas as coisas

do velador de tanto o que será de mim,

todas não estão minhas

a meu lado.


Ficaram de sua propriedade

fratesadas, seladas com sua triguenha bondade.



E se eu soubesse que ha de voltar;

e se soubesse qual amanhã entrará

a me entregar as roupas lavadas, minha aquela

lavadeira da alma. Qual amanhã entrará

satisfeita, cereja de olaria, venturosa

de provar que sim sabe, que sim pode

COMO NÃO VAI PODER!

anilar e passar todos os caos.



*N.T. Otile era o nome do primeiro amor do poeta.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

aviso de spoiler

Com o primeiro tremor de frio me chegou a revelação. O homem morto não era nenhum assassino. O verdadeiro, oculto em algum lugar distante, ou mais provavelmente a fatalidade, nos havia enganado. Bedloe não queria matar ninguém, só procurava seu cachorro. Pobre infeliz, pensei. Os cachorros voltaram a se perseguirem pelo pátio. Abri a porta e observei as duas mulheres, sem forças para entrar na sala. O corpo de Bedloe outra vez estava vestido. Inclusive melhor vestido do que antes. Ia dizer-lhes alguma coisa, mas me pareceu inútil e voltei à sacada. Uma das mulheres saiu atrás de mim. Agora temos que nos desfazer do cadáver, disse às minhas costas. Sim, disse eu. Mais tarde ajudei a meter Bedloe na parte de trás do furgão. Partimos em direção às montanhas. A vida não faz sentido, disse a mulher mais velha. Eu não respondi, eu cavei uma fossa. Ao voltar, enquanto elas tomavam banho, limpei o furgão e depois preparei minhas coisas. O que você vai fazer agora? - me perguntaram, enquanto tomávamos café-da-manhã na sacada contemplando as nuvens. Vou voltar à cidade, disse-lhes, vou retomar a investigação exatamente de onde me perdi.

Seis meses depois, Pancho Monge termina sua história, William Burns foi assassinado por desconhecidos.

Roberto Bolaño, "William Burns", excerto traduzido por mim.

sábado, 31 de março de 2007

fur


A pele. Esta tradução para o português foi claramente feita por alguém que não assistiu ao filme. Claramente. Primeiro, porque é um filme sobre pêlos, ainda que por cima da pele (trocadilho infeliz). Segundo, e contundentemente mais importante, porque o protagonista do filme é o Chewbaca. Não, não dá pra abstrair, foi bem mais forte do que eu e, aparentemente, também do que o cinema inteiro.

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

borges: humor

A primeira imagem que Borges passa - o Borges, o Jorge Luís, o homem, o cara - é aquela carona intelectualóide preto e branca da famosa entrevista, aquela. O senhor cego, meio torto, pouco argentino já nos seus oitenta e muitos anos, com concepções políticas duvidosas.
Nada disso é mentira.
Sua extensa obra circunda temas - e circundar é uma palavra cuidadosa- circunda certos temas que não são superados, mostrando um escritor que amadurece, mas tratados e re-tratados infinitamente e, por isso, mitologicamente. Sua obra é uma mitologia pessoal.
(Esta não é a introdução de um trabalho acadêmico, me desculpem o pedantismo. Sim, todos conhecem Borges - o Borges, o homem, o cara, aquele - e eu não preciso apresentá-lo. Tudo isso, eu juro!, era pra dizer o que segue...)
Borges, o Borges, também é engraçado. Oligofrenicamente engraçado.

A trama (livre tradução)

Para que seu horror seja perfeito, César, encurralado ao pé de uma estátua pelos impacientes punhais de seus amigos, descobre entre as caras e os aços a de Marco Júnio Brutus, seu protegido, talvez seu filho, e já não se defende e exclama: Tu também, filho meu! Shakespeare e Quevedo recolhem o patético grito.
Agradam ao destino as repetições, as variantes, as simetrias; nove séculos depois, ao sul da província de Buenos Aires, um gaucho é agredido por outros gauchos e, ao cair, reconhece um afilhado seu e lhe diz, com mansa advertência e lenta surpresa (estas palavras devem ser ouvidas, não lidas): Mas, che! Matam-no e não sabe que morre para que se repita uma cena.