quarta-feira, 24 de outubro de 2007

115 - night thoughts

As noites são conhecidas em todo o mundo, onde quer que esteja a noite, como happy hour. Não quero argumentar que as minhas noites são sad hours (quando todas as cervejas estão chocas e sempre existe uma goteira pingando o seu cabelo), mas são dark hours, ou blue hours, em que eu passo o meu tempo ritualizando o sono e conversando com os meus livros. Literalmente.

Primeiro, você chega em casa, deixa a sua bolsa pesada, toma banho e põe um pijama. Depois, vai pra cozinha, dá oi pras baratas (como elas são baratas germânicas, você diz Heil!) e toma um copo de leite. Em seguida, lava o copo, põe no escorredor, e vai pro quarto, fazendo barulho com os chinelos. Aí você deita na cama.

Depois de deitar na cama, não tem mais volta. Você sente que não vai levantar de lá até a próxima grande extinção do planeta. Quando as baratas chegarem pra te comer, você ainda estará na cama.

A esquizofrenia de conversar com os livros é infinitamente mais saudável do que a de sonhar com eles. De fato, ontem eu não consegui parar de sonhar com o Roberto Bolaño. Eu estava em uma livraria e lá ele estava, não olhava pra mim, mas tinha sempre aquele sorriso de orelha de livro. A verdade é que na maioria das fotos o Bolaño não sorri, parece que ele estava sempre antecipando a própria morte, o que é tão trágico a respeito dele. Não é como se ele tivesse sido atropelado, ou sequestrado, ou tivesse Alzheimer. Ele só morreu. No entanto, essa morte anunciada, em algum momento, virou a essência da ausência de sorriso do Bolaño.
E, com essa cara, ele não olhava pra mim na livraria. Mas, estava tão perto! E eu tinha tanto a lhe dizer! Logo, em um dado momento, eu entendi: não tinha nada pra dizer pra ele, entendia tudo sobre ele, sabia tudo sobre a sua vida - por causa do maldito Detetives Selvagens - e já não restava nada, quer dizer, e já não havia mais nenhuma distância entre nós, muito pelo contário, aquela falta de privacidade me deixava profundamente constrangida (eu queria fugir, não olhar para a cara dele, não deixar que ele me visse). Mas ainda aquele sorriso me acompanhava, no rabo do olho eu sabia que ele estava sempre lá, como num filme de terror.


Bolaño morreu em 2003. Eu morri ontem.

Ele me matou.

2 comentários:

ciça disse...

ele me lembra alguém, mas não sei quem...

andre disse...

ciça, acho que ele parece o edward norton nessa foto.