terça-feira, 16 de novembro de 2010

o percurso de um punhal

Em 1878:

Mas é isso mesmo que deploro. Essa parcialidade dos tempos, que só recolhem, conservam e transmitem as ações encomendadas nos bons livros, é que me entristece, para não dizer que me indigna. Cachoeira não é Roma, mas o punhal de Lucrécia, por mais digno que seja dos encômios do mundo, não ocupa tanto lugar na história, que não fique um canto para o punhal de Martinha.


Em 1960:

Para que seu horror seja perfeito, César, encurralado ao pé de uma estátua pelos impacientes punhais de seus amigos, descobre entre as caras e os aços a de Marco Júnio Brutus, seu protegido, talvez seu filho, e já não se defende e exclama: Tu também, filho meu! Shakespeare e Quevedo recolhem o patético grito.


Para terminar com Cervantes, ou talvez Pierre Menard:

A história é émula do tempo, repositório dos fatos, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do porvir.


que, aliás, está citado no Monitor Mercantil.

Ai, minha dissertação!

Um comentário:

vina apsara disse...

"Se, ao menos, o punhal de Lucrécia tivesse existido, vá; mas tal alma, nem tal ação, nem tal injúria, existiram jamais, é tudo uma pura lenda, que a história meteu nos seus livros. A mentira usurpa assim a coroa da verdade, e o punhal de Martinha, que existiu e existe, não logrará ocupar um lugarzinho ao pé do de Lucrécia, pura ficção. Não quero mal às ficções, amo-as, acredito nelas, acho-as preferíveis às realidades; nem por isso deixo de filosofar sobre o destino das cousas tangíveis em comparação com as imaginárias. Grande sabedoria é inventar um pássaro sem asas, descrevê-lo, fazê-lo ver a todos, e acabar acreditando que não há pássaros com asas... "