terça-feira, 8 de maio de 2012

discurso de caracas

NO ÚLTIMO POST, eu seguia falando de leituras que não me motivavam, sabe deus por que (o leitor lembrará da minha tentativa ridícula de explicação científica). achei que era um pouco injusto ficar aí, na vida, na internet, falando mal dos outros, como uma revista ridícula de fofoca de famosos (e aí lembrei que a Caras tem uma parte de citações de grandes livros que é bem legal, bem legal mesmo) (o que leva a crer que a Caras tem uma vocação literária muito mais profunda do que este blogue). Por isso pensei em publicar um trecho -- talvez "o" trecho -- do agora já famoso discurso de aceite do prêmio Rómulo Gallegos (pelo romance Los Detectives Salvajes, de 1998), do Roberto Bolaño. Já é tão famoso que virou "o discurso de Caracas", como se naquela cidade nunca ninguém tivesse feito um discurso melhor do que esse. pode bem ser verdade. me diga o que você acha.

…em grande parte, tudo o que escrevi é uma carta de amor, ou de despedida, para minha própria geração, os que nasceram na década de cinquenta, e que escolhemos em um dado momento  o exercício da milícia, neste caso seria mais correto dizer militância, e entregamos o pouco que tínhamos, o muito que tínhamos, que era nossa juventude, a uma causa que achávamos que era a mais generosa das causas do mundo e que de certa forma era, mas na verdade não era. Demais está dizer que lutamos bravamente, mas tivemos chefes corruptos, líderes covardes, um aparato de propaganda que era pior que um leprosário, lutamos por partidos que, se tivessem vencido, nos mandariam de imediato a um campo de trabalhos forçados, lutamos e colocamos toda nossa generosidade em um ideal que fazia mais de cinquenta anos que estava morto, e alguns de nós sabiam, e como não saberíamos se tínhamos lido Trótski, ou éramos trotskistas, mas o fizemos mesmo assim, porque fomos estúpidos e generosos, como são os jovens, que entregam tudo e não pedem nada em troca, e agora desses jovens já não resta nada (…). Toda a América Latina está semeada com os ossos desses jovens esquecidos.

Roberto Bolaño, Entre Paréntesis. Barcelona: Anagrama, 2006, pp. 37-38 (minha tradução)

A versão integral está aqui, em espanhol.

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