domingo, 8 de abril de 2012

literatura e solidão


UMA COISA QUE tipicamente aflige o/a crítico/a literário/a é a sensação que o/a acomete de tempos em tempos de que o que ele/a faz não faz o menor sentido. Isso é um lugar comum que muitas vezes faz aquele que se dedica a pensar a literatura a simplesmente desistir. Pra que serve o que eu faço?

O que a gente não percebe é que essa pergunta também é característica do crítico literário. O pedreiro se pergunta por que faz o que faz? O motorista de ônibus? O biólogo, o físico, o pedagogo? O catador de lixo? O politólogo? O dono de loja de ferragem? O economista? O piloto de fómula 1? O técnico de som?A babá? Não. Pouco importa se a profissão tem ou não a ver com estudo, em geral os profissionais não se colocam em uma posição para dizer que seu trabalho é inútil, ou que não vale a pena fazer o que faz. Então, a primeira pergunta que deveríamos fazer é: a que demanda estou respondendo ao tentar encontrar a razão de ser do que eu faço? -- e a resposta é só uma, a demanda de alguém que acha que pensar em literatura é uma coisa inútil.

Marcos Siscar, professor da Unicamp, argumenta que, para esse vazio, os críticos começaram a responder criando uma espécie de crise da literatura (fomentados, é claro, pelas mudanças no suporte e no público ao longo do tempo). Assim, a literatura sempre precisa ser salva do seu futuro desaparecimento, sua morte anunciada, seu apocalipse, e os únicos que podem salvá-la são os críticos. Daí a importância do seu trabalho. Além disso, o apocalipse da literatura também é uma forma, ainda segundo Siscar, de assegurar uma crítica literária que esteja sempre comprometida com o questionamento, a ruptura, o senso crítico. De alguma forma, então, a literatura ganha sentido, uma certa urgência, sempre que se encontra, de foma clara, no limite. O habitat da literatura sempre é a beira do abismo, o fundo do poço (ou pelo menos de uma certa literatura, ou melhor, da literatura pensada pela lente da crítica literária).

E ainda tem os agravantes: a alta burocratização da academia, que nos leva a passar a maior parte do tempo fazendo coisas, essas sim, completamente inúteis, preenchendo formulários, cumprindo prazos absurdos, etc. Mas talvez o maior agravante seja o fato de que a maior parte do que a gente faz -- ler, escrever, comentar livros, fichamentos, anotações, correções e revisões -- são atividades profundamente solitárias. Você pode passar o dia, o dia inteiro, sem dar bom-dia para ninguém e, de uma forma menos literal, passar a maior parte do tempo sem ter alguém com quem você possa compartilhar seus pensamentos. Aos poucos, a coisa vai ficando cada vez mais específica, especializada e solitária.

A imagem do crítico literário é o homem (ou a mulher) sozinho com sua caneca enorme de café, segurando um livro de 2.000 páginas com um braço só, de pijama o dia inteiro -- uma imagem muito parecida com a de um adolescente jogando guitar hero.

2 comentários:

Rafael RG disse...

Me lembrou este artigo

http://apps.facebook.com/theguardian/books/2010/dec/13/writers-depression-top-10-risk?fb_source=timeline_news&fb_action_types=news.reads

vina apsara disse...

nossa, é isso mesmo. que triste...