terça-feira, 22 de maio de 2012

pó de diamante

ESSE MÊS, comecei a ler o calhamaço fatídico, 2666, do Roberto Bolaño. meus parentes dizem "aquele dicionário que a Raquel tá lendo". minha mãe disse "esse livro é do seu autor?" ("meu" autor?!) "é... sim, é praticamente seu, de tudo o que você escreveu sobre ele".

meu.

é estranha essa vocação imperialista da crítica. você estuda o autor e ele é seu. o tema é seu. aos poucos, nós vamos setorizando e absorvendo todas as áreas de conhecimento -- na velha técnica de resumo e catalogação de temas e autores-- até que tudo seja nosso. tudo. uma parte é minha, posso responder por ela, dizer o que está certo e o que está errado, escrever infinitamente sobre ela (repetindo alguns parágrafos, deslocando algumas expressões, etc.), até poder responder pelo autor. imagina, Roberto Bolaño nunca diria isso, inclusive, no parágrafo nove da página 796 de 2666, ele afirma o contrário. e quando o acusarem de alguma coisa, homofóbico, por exemplo, eu sempre poderei defendê-lo, até ele parecer uma daquelas entidades inatingíveis -- como você OUSA dizer isso?-- e nunca mais ninguém vai poder ter uma opinião respeitável sobre sua obra se não tiver lido tantos livros quanto eu.

quando na verdade, no silêncio da noite, quando a leitura parece o que ela realmente é, essa atividade fatalmente solitária, você encara o livro e sabe, e tem certeza absoluta, que o momento de tê-lo nas mãos, de transforma-lo em um discurso próprio, é o mesmo momento que ele não existe mais.

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