terça-feira, 29 de maio de 2012

macau

É UM ALÍVIO saber que, a não ser pelos desavisados, nenhum leitor vai entrar nesse blogue esperando uma grande epifania. ainda bem, porque eu acho que nunca tive uma.

(e nem um post político. nada de greve dos metroviários ou depoimento da xuxa. ufa.)

pois então, hoje estava vendo um concurso literário em Macau. em Macau! deve ser o lugar mais insólito da  face da terra, uma pequena ilha que deve tributos infinitos a uns conquistadores lusitanos, fadados a falar português em torno de um país em que todo o resto do mundo fala com uns simbolozinhos desenhados.

aí eu lembrei do excelente Macau, do excelente Paulo Henriques Britto, e achei o poema que eu tava procurando. eis-lo.

II

Tão limitado, estar aqui e agora,
dentro de si, sem poder ir embora,
dentro de um espaço mínimo que mal
se consegue explorar, esse minúsculo
império sem território, Macau
sempre à mercê do latejar de um músculo.
Ame-o ou deixe-o? Sim: porém amar
por falta de opção (a outra é o asco).
Que além das suas bordas há um mar
infenso a toda nau exploratória,
imune mesmo ao mais ousado Vasco.
Porque nenhum descobridor na história
(e algum tentou?) jamais se desprendeu
do cais úmido e ínfimo do eu.

BRITTO, Paulo Henriques, o excelente. Macau. SP: Companhia das Letras, 2003. p. 42. (a minha edição tem uma dedicatória emocionante da minha melhor amiga) (que me deu de presente) (obrigada)

e agora que eu copiei esse poema, eu penso em duas coisas importantes.

1) o PHB deveria ganhar esse concurso, mesmo que ele não tenha se inscrito. mesmo que eles premiem contos.

2) que "infenso" é deveras uma palavra muito lusitana.


infenso 
(latim infensus, -a, -um)
adj.
1. Que se opõe a. = ADVERSO, HOSTIL, INIMIGO
2. Que mostra irritação ou ira. = IRADO, IRRITADO


e que agora fica IMPOSSÍVEL ganhar esse concurso sem escrever algo com a palavra "infenso". esse provavelmente deve ser o nome do meu conto.

2.1) correção: infenso não parece mais uma palavra lusitana. parece uma daquelas palavras perdidas ao léu, palavras náufragas, que ninguém mais se dá conta que não usa. como macau. na CHINA.

2.2) nada mais infenso do que a terceira estrofe. como macau pode estar à mercê de um músculo. o coração? macau é metáfora do "cais úmido e ínfimo do eu", mas pode ele, o tal território, estar também nesse estado dependente? o músculo é a china?

pista: esse músculo lateja. que músculo lateja? em espanhol, quando o coração bate, ele "late". (latte como o café, ou late como o cachorro? desculpa.)

o império sem território cujas bordas são o mar.

amar macau ou deixar macau. a segunda alternativa é o asco. será possível deixar macau? implantar uma ditadura nele, como parece sugerir o trocadilho. ou será que a ditadura já existe e o músculo do qual ela depende é o bíceps, a força bruta -- o abraço, também, que sufoca?

acabei de ler na wikipedia que quando os conquistadores portugueses perguntaram aos nativos qual era o nome daquele lugar, eles responderam:
媽閣
o que, para mim, é revelador.

o que me faz pensar na terceira coisa.

três) eu sou a pior crítica literária do PLANETA, incluindo macau, porque só eu sou capaz de analisar somente a estrofe DO MEIO de um poema.

esse post é como macau, no meio da china.

Um comentário:

biel madeira disse...

pirei o cabeção!

(E eu gosto muito de uma poeta de macau... Fernanda Dia, cujo único livro é "Chá-verde"). hehe!