Na quinta-feira, 18 de abril, o
Salão de Atos da UFGRS estava fervilhando com pessoas bem-vestidas do meio
artístico, que são facilmente reconhecidas por seus cortes de cabelo, sapatos
despojadamente sociais e óculos muito maiores que seus rostos. Nós éramos
poucos, do lado de fora, atrasados para a palestra que começaria às 19h30. O
auditório estava meio cheio, ou meio vazio, depende da inclinação política da
pessoa, e a função começou levemente atrasada. O clima era solene: John Maxwell
Coetzee foi apresentado pelo vice-reitor na universidade, que reiterava muitas
vezes a honra de recebermos um prêmio Nobel, etc e tal.
Existe uma diferença no ar de se
estar na presença de um Nobel. É como estar obrigado a reconhecer que se está
em um momento histórico. Um Nobel é como um busto ainda não esculpido, uma
estátua por vir, um memorial por se erguer, uma escola por se batizar. Coetzee
entrou no palco como se soubesse disso, um pouco acanhado, um pouco
constrangido pelo tamanho do barulho que causava, como alguém que entra num
quarto, pé ante pé, sem querer ser percebido. Sua postura não parecia casual,
se pensada no seu contexto: o tema da palestra era a censura, especialmente,
como ele mesmo introduzia, a censura pela parte do governo sul-africano dos
seus primeiros livros. Ele explicava, com sua voz assustadoramente clara de
fita de aula de inglês, que teve a oportunidade de ler os relatórios dos
censores destes livros – os quais, vocês imaginarão, seguramente tratavam de
temas polêmicos, moralmente questionáveis e politicamente radicais desde uma
perspectiva altamente ambígua. Apesar disto, os censores eram unânimes na
opinião de que as obras não eram undesirable,
indesejáveis, o código dos censores para obras que deveriam ser banidas. O
argumento seria que estes assuntos espinhosos eram menores, principalmente se
comparados à riqueza estética dos livros. No meu canto, eu pensava
histericamente como deveria ser horrível ter agradado um censor! Todos
frisavam: estes livros não deveriam ser banidos, porque foram feitos para um
público muito pequeno de homens e mulheres bem letrados – e que, portanto,
concluía o Nobel, não eram capazes de causar revoluções. Só os textos populares
seriam capazes de despertar nas massas o desejo de se rebelarem, um desejo
imediato e radical, não acessível aos livros de alto rigor estético. Coetzee
perguntava que tipo de relação entre literatura e política faziam esses
censores. Por outro lado, o que essas pessoas, professores de faculdade, escritores
como ele, vizinhos pensavam que estavam fazendo? Salvando grandes livros da
fúria ignorante de um regime opressor – Coetzee citava o censor-herói de
Púchkin e eu via aquele personagem do filme alemão A vida dos outros –, pensando secretamente que, se não fossem eles
os censores, seriam outros, outros menos sensíveis, convencidos do papel do
Estado no desenvolvimento das artes.
A palestra concluía, com a voz
poderosamente clara de Coetzee, uma voz que poderia facilmente ser de
aforismos, que nenhuma censura é heroica, que todas refletem o julgamento moral
das sociedades que as criam – seja censurando literatura, seja pedofilia.
Saímos do salão de atos, do solene salão de atos, depois da nossa participação
irrevogável do transcurso da História, com o mesmo nó na garganta, a mesma
sensação de contrariedade que temos ao terminar um livro de Coetzee.
Estranhamente, sem nada a dizer.
Um comentário:
puxa...
qtas imagens... sobre agradar o censor foi incrível, mas o final...
isso é de doer de bom: Um Nobel é como um busto ainda não esculpido, uma estátua por vir, um memorial por se erguer, uma escola por se batizar.
:)))
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