quarta-feira, 24 de abril de 2013

Undesirable - uma crônica para J. M. Coetzee



Na quinta-feira, 18 de abril, o Salão de Atos da UFGRS estava fervilhando com pessoas bem-vestidas do meio artístico, que são facilmente reconhecidas por seus cortes de cabelo, sapatos despojadamente sociais e óculos muito maiores que seus rostos. Nós éramos poucos, do lado de fora, atrasados para a palestra que começaria às 19h30. O auditório estava meio cheio, ou meio vazio, depende da inclinação política da pessoa, e a função começou levemente atrasada. O clima era solene: John Maxwell Coetzee foi apresentado pelo vice-reitor na universidade, que reiterava muitas vezes a honra de recebermos um prêmio Nobel, etc e tal.

Existe uma diferença no ar de se estar na presença de um Nobel. É como estar obrigado a reconhecer que se está em um momento histórico. Um Nobel é como um busto ainda não esculpido, uma estátua por vir, um memorial por se erguer, uma escola por se batizar. Coetzee entrou no palco como se soubesse disso, um pouco acanhado, um pouco constrangido pelo tamanho do barulho que causava, como alguém que entra num quarto, pé ante pé, sem querer ser percebido. Sua postura não parecia casual, se pensada no seu contexto: o tema da palestra era a censura, especialmente, como ele mesmo introduzia, a censura pela parte do governo sul-africano dos seus primeiros livros. Ele explicava, com sua voz assustadoramente clara de fita de aula de inglês, que teve a oportunidade de ler os relatórios dos censores destes livros – os quais, vocês imaginarão, seguramente tratavam de temas polêmicos, moralmente questionáveis e politicamente radicais desde uma perspectiva altamente ambígua. Apesar disto, os censores eram unânimes na opinião de que as obras não eram undesirable, indesejáveis, o código dos censores para obras que deveriam ser banidas. O argumento seria que estes assuntos espinhosos eram menores, principalmente se comparados à riqueza estética dos livros. No meu canto, eu pensava histericamente como deveria ser horrível ter agradado um censor! Todos frisavam: estes livros não deveriam ser banidos, porque foram feitos para um público muito pequeno de homens e mulheres bem letrados – e que, portanto, concluía o Nobel, não eram capazes de causar revoluções. Só os textos populares seriam capazes de despertar nas massas o desejo de se rebelarem, um desejo imediato e radical, não acessível aos livros de alto rigor estético. Coetzee perguntava que tipo de relação entre literatura e política faziam esses censores. Por outro lado, o que essas pessoas, professores de faculdade, escritores como ele, vizinhos pensavam que estavam fazendo? Salvando grandes livros da fúria ignorante de um regime opressor – Coetzee citava o censor-herói de Púchkin e eu via aquele personagem do filme alemão A vida dos outros –, pensando secretamente que, se não fossem eles os censores, seriam outros, outros menos sensíveis, convencidos do papel do Estado no desenvolvimento das artes.

A palestra concluía, com a voz poderosamente clara de Coetzee, uma voz que poderia facilmente ser de aforismos, que nenhuma censura é heroica, que todas refletem o julgamento moral das sociedades que as criam – seja censurando literatura, seja pedofilia. Saímos do salão de atos, do solene salão de atos, depois da nossa participação irrevogável do transcurso da História, com o mesmo nó na garganta, a mesma sensação de contrariedade que temos ao terminar um livro de Coetzee. Estranhamente, sem nada a dizer.

Um comentário:

Geruza Zelnys disse...

puxa...
qtas imagens... sobre agradar o censor foi incrível, mas o final...

isso é de doer de bom: Um Nobel é como um busto ainda não esculpido, uma estátua por vir, um memorial por se erguer, uma escola por se batizar.

:)))