segunda-feira, 18 de março de 2013

da poética (ou falta dela) de se entrar na casa dos outros*

caros leitores,

não é surpresa para ninguém o fato de que tenho me dedicado ativamente a entrar na casa de desconhecidos durante o último mês. na nossa sociedade, essa prática é também conhecida como "procurar apartamento" -- uma tarefa inútil e exaustiva que parece só servir para aumentar a convivência social. (nota mental: recomendar a atividade para casos crônicos de fobia social).

"procurar apartamento", este ritual inevitável da vida adulta, consiste em, basicamente, ser conduzido por uma pessoa responsável (identificada por com os dizeres enigmáticos "corretor") para dentro da casa e da vida de pessoas completamente desconhecidas. Aparentemente, este é o único contexto em que tal prática é bem vista por outros seres humanos adultos.

E entrar na casa de estranhos é se autoconvidar para o inesperado: crianças pequenas dizendo suas primeiras palavras, cachorros carentes comendo o tapete, mulheres hiperativas que acham ok chegar uma hora atrasadas, casamentos destruídos, altares de umbanda escondidos no armário, livros de autoajuda, vodca, casamentos extremamente bem-sucedidos, etc. Tudo com a presença inequívoca do elemento "chimarrão". (O elemento "churrasqueira" também é uma constante).

O que é efetivamente estranho dessa situação -- veja bem -- é a naturalidade surpreendente com que ela acontece. Por algum motivo que me foge, as pessoas se sentem confortáveis em receber estranhos na situação familiar problemática em que se encontram: mostram as fotos do casamento num CTG, a paixão pelo internacional, a falta de educação dos filhos, o desprezo do marido e outras demais situações limite que, antes de serem íntimas, por algum motivo, são também universais.

40 apartamentos depois, e sem perspectiva de finalmente deixar o colchão da sala do meu amigo, todos os apartamentos parecem iguais. Todos os filhos também. E os cachorros. E as churrasqueiras.

*Este post é dedicado à generosidade infinita do Nathan Carvalho, que me ensinou muitas coisas no último mês.

Um comentário:

Anônimo disse...

Você é demais, Quel.
Diante de tantas coisas (confortáveis ou não) você consegue escrever sobre um cotidiano muito chato que é procurar um apto para alugar.
Deu canseira só de ler.
Muito legal.
Espero que o Nathan compreenda e aceite você como é: "sem teto".
Abs