Nos
últimos anos, temas como Testemunho, a relação entre Ficção e História,
Autobiografia e Autoficção dão a ideia de que a literatura em espanhol tem
habitado os limites da própria literatura. Está confortável em questionar esses
limites e se apropriar de novas formas de narrar. Josefina Ludmer chama este
movimento de “literatura pós-autônoma”. Mesmo que o termo seja discutível –
porque pressupõe uma noção de autonomia pura da arte – podemos enxergar
facilmente este esforço em habitar limites no laboratório de autores
contemporâneos como Mario Bellatin, Margo Glantz, Tununa Mercado, Tamara Kamenszain,
Mario Levrero, Roberto Bolaño, entre muitos outros.
Mas ao
mesmo tempo, numa reação que parece diametralmente oposta, retoma-se também a
tradição europeia do romance – não do romance moderno, mas do oitocentista, o
romance como forma de conhecimento do mundo, o romance como investigação
social, o romance que dá conta da realidade, enfim, o romance total. 2666, de Bolaño, por exemplo, por sua
envergadura de mil páginas, por seus detalhes ínfimos, pelo seu narrador
onisciente inabalável, pela fé inquebrantável na possibilidade de narrar uma
história, nos remete rapidamente ao gesto oitocentista, tolstoniano, da
possibilidade de narrar tudo. Guerra e Paz não é um romance histórico
para Tolstói, ele é mais do que a própria História. O romance, para o mestre
russo, é capaz de penetrar (tudo?), mais profundamente do que a historiografia.
É o romance total.
Só que
o romanção hispano-americano do século XXI dá a volta sobre si mesmo . Uma
volta diferente da metaficção pós-moderna autofágica, que continha dentro de si
sua própria crítica. O romance total hispano-americano do século XXI é um
romance colateral, que se perde no próprio assunto, cujo propósito de existir
nos passa batido. É um romance sem centro, sem propósito, sem tese, cunhado na
estética do tédio.” Un oasis
de horror en medio de un desierto de aburrimiento”, é a epígrafe de 2666.
Melhor do que 2666, o exemplo mais visível desta
energia gasta em quase nada é a série La
novela luminosa e Discurso vacío,
dois romances do escritor uruguaio Mario Levrero. Ao contrário do romance total
oitocentista, com seus grandes temas e teses, os romances de Levrero são totais
pela meticulosidade verborrágica dos detalhes que não se acumulam em torno de
um objetivo.
"No me interesan los
autores que crean laboriosamente sus novelones de cuatrocientas páginas, en
base a fichas y a una imaginación disciplinada; sólo transmiten una información
vacía, triste, deprimente. Y mentirosa, bajo ese disfraz de naturalismo. Como
el famoso Flaubert. Puaj." (p. 72)
Entretanto,
é esse mesmo disfarce de naturalismo que Levrero usa para narrar sua história
sobre nada.
Em
suma, a título de panorama da literatura hispano-americana contemporânea,
podemos dizer que existe uma corrente do fragmento, da singularidade da
experiência, e uma segunda corrente, que talvez seja a mesma corrente, que é a
do romance total, em que essa singularidade se alça para o conhecimento do
mundo e volta dessa viagem com quase nada nas mãos. É o teatro da pequenez, em
Levrero, e a rotina do horror, em 2666.
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