sexta-feira, 28 de março de 2008

150

Ontem foi o dia do Mia Couto, um escritor que bem poderia ter figurado no nosso programa de escritores bonitos. E o que posso dizer sobre esse encontro impessoal? Primeiro, que é muito difícil conhecer um escritor, assim, aparecido. Não que eu tenha sido particularmente apresentada, estava mesmo em uma sala com quase cem pessoas (e a falta de espaço as fez sentarem-se no chão ou ficarem de pé no fundo o tempo todo) (o que pareceu não incomodar o escritor. Na verdade, foi bem parecido com o que aconteceu quando também conheci o Ondjaki. Esses escritores africanos, de fato é o eles sempre reiteram, se sentem muito à vontade no Brasil. Nossas tentativas de formalidade sempre frustradas, a precariedade das instalações - de Norte a Sul -, os eventos improvisados e a derradeira tentativa de compensação disso todo pelo humor, o abraço e um tico de humilhação). Voltando. A pergunta, então, gira em torno de por que conhecer um autor? o que isso acrescenta além de tietagem fetichista? principalmente neste caso, quando ele não tem um tema definido e tem que falar de si mesmo.

Outra digressão: acho que a primeira vez que ouvi escritores que eu conhecia falando foi no Forum Social Mundial, em 2004. O Galeano e o Saramago, junto com outros que eu não lembro (porque o meu caderno de viagem, como sempre, foi forçadamente extraviado) , estavam numa estranha palestra sobre Dom Quixote e a Democracia. Gostei muito do que o Saramago disse. Na verdade, acho que foi uma das coisas mais importantes que eu ouvi, quase a título de conselho, que me ajudou a desenvolver uma certa postura crítica e uma certa forma particular de inquirir as coisas.

Outra vez foi quando o escritor argentino Martín Kohan fez uma palestra sobre, bom na verdade era uma análise de dois poemas sobre a tentativa de assassinato de Perón no aeroporto de Ezeiza, se bem me lembro.

Nas duas ocasiões, como eu dizia, havia uma desculpa para a tietagem fetichista. Mas, em algumas outras, não. Novamente voltamos ao ponto da pergunta: qual é a idéia de ficar sentado lá, vendo um cara (ou moça) que você admira respondendo perguntas nem sempre tão pertinentes, em uma posição dúbia entre exibir-se e esconder-se?

Acho que a melhor resposta é: para escrever sobre isso no blogue.

Outra coisa que eu estive pensando, e essa é um pouco mais séria, é toda essa apologia às relações África-Brasil. Quer dizer, não é que eu não ache isso ótimo, eu realmente acredito que essa ponte tem muito a acrescentar aos falantes de língua portuguesa. Mas a verdade é que isso não é tomado de forma nem um pouco pacífica. Um grande exemplo é o que aconteceu na residência universitária da Universidade de Brasília, um tempo atrás. (tem um video no youtube sobre isso, não sei se consigo encontrar). Simplesmente colocaram uma bomba atrás da porta de alguns residentes africanos, onde eles deixavam alguns bujões de gás que, com sorte, não explodiram também. Quer dizer, nós somos muito xenófobos. Não contra os europeus e os americanos, mas certamente contra aqueles que têm menos (ou igual) que nós. Pergunte aos bolivianos.

O que quero dizer, afinal, é que o Brasil não é uma parte da África ou da América. Nós sabemos marcar essa diferença. E acho que esse tipo de barreira tinha que ser, por exemplo, um tema para uma palestra de um escritor moçambicano que venha ao Brasil, e não a comemoração - sim, é esta a palavra, tudo é celebração - de um intercâmbio que, na prática, não existe (ou talvez exista sim, num pequeno reduto universitário, no calor asfixiante de uma biblioteca aqui ou lá, na mente de alguns pesquisadores, no imaginário das cem pessoas que foram ver o Mia Couto ontem). Não se pode ignorar o conflito, sob pena de ser uma fala estéril e ingênua.

3 comentários:

lili disse...

muito bom quel!
isso me lembra a primeira vez que assisti o agualusa falando (ele ainda não era esse arroz-de-festa) junto com o caetano veloso na flip, numa "palestra" sobre relações brasil-áfrica (meio vago né... talvez fosse mais específico e eu não lembro)
enfim, o caetano veloso falou um monte de besteira, não tinha lido o livro do agualusa, fez um papelão.
mas o agualusa falou muito bem, sobre semelhanças e familiaridade (tanto que ele veio morar aqui, não foi?). mas ele não falou dessa marcação brasileira, que foi bem o que o caetano fez. imagina se colocassem o caetano numa mesa com o saramago, se ia ser daquele jeito?

Anônimo disse...

OoO! daonde saiu esse elisa? hehehe

lrp disse...

e como se o todo (até agora)da obra do Mia já não pudesse suscitar um bilhão de questões prum bom (ou mediano) acadêmico ou para um leitor atento!

ps.: ele faz aniversário junto comigo! não é mto louco? ele, a Eva Green... e a titia Monique Evans! hahaha