segunda-feira, 23 de junho de 2014

Incompletos 3: Karaoke Nights

A ideia desse texto era compilar todas as histórias malucas que eu e meus amigos loucos já vivemos num karaoke. Já teve de tudo: lição de vida de japonesa lésbica ruiva, que parecia ter 40 mas tinha 60 anos; música coreana de despedida de amigos que morreram em acidente de carro; exemplo de obstinação com o cara cego que sempre cantava a mesma música... Em vez de eu oferecer ao mundo um relato oitocentista sobre a fauna e flora karaokeística, só consegui escrever uma espécie de lista de regras para uma performance ovacionável. Paciência. A gente tem que viver com o fato de que as nossas habilidades são restritas, e o máximo que eu consigo no momento é escrever um texto melhor lido com o tom de voz daquele cara que faz as propagandas do Cartoon Network.

O título é inspirado em Dirty Dancing 2- Havana Nights.


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Karaoke Nights

A primeira vez que me levaram pra um karaokê foi num boteco de sinuca em Brasília. Eu me senti apresentada a uma forma mais sincera de vida. Tive uma reconciliação instantânea com as patricinhas que me oprimiam na escola, ao som de Vamos brincar de índio/mas sem mocinho/pra me levar…  Antes do fim da noite, subi pra cantar Tony Braxton com uma desconhecida e descobri que meu verdadeiro talento residia na habilidade de lembrar o nome dos intérpretes das músicas mais populares. De Evidências a Total Eclipse of the Heart, eu sabia o que o karaokê queria de mim.

Regra número um: nunca esteja sóbria. Hitoshiro Karaokê, o leãozinho de cabelo amarelo que expandiu a possibilidade do constrangimento vocal, vislumbrou o microfone com um bafômetro embutido, de forma que o candidato seria sumariamente eliminado se tivesse menos de uma porcentagem X de álcool no seu corpo. Por isso, se você, neófito, de alguma forma se sente acuado na hora de parecer ridículo na frente de uma centena de pessoas, não se sinta. Espere o álcool fazer efeito.

Regra número dois: no advento da bebedeira, segurando o microfone, encarando todos aqueles estranhos, não se esqueça: se você cantasse bem, alguém estaria te pagando pra cantar e não o contrário. Ridículas mesmo são aquelas pessoas que pensam que são melhores que você, que o show biss simplesmente as esqueceu e estão aguardando ansiosamente a ligação do The Voice. Foda-se todo mundo.

Regra número três: cante em português. Dessa vez, você não está cantando sozinho no chuveiro, você tem uma platéia! E uma platéia de gente bêbada que quer cantar junto. Por isso, não perca a oportunidade de ter um coro cantando Quem dera ser um peixe! Também pode ser uma boa ideia arranhar uma língua que quase ninguém conhece, com um La Solitudine. Quem sabe você pode receber ajuda de um gatinho italiano que veio ao Brasil en passent, ou de um casal de descendentes que está comemorando as bodas de ouro.

Regra número quatro: menos é mais. Chegou no karaokê e ta vazio? Só tem meia dúzia de gato pingado cantando Fábio Júnior? Ouro!! Não se esqueça de que demora pra caralho até a sua vez chegar, então estar em pouca companhia é sempre melhor. Também é mais fácil de fazer amigos.

Regra número cinco: deixe o melhor pro final. No começo da noite, pode ter certeza, todo mundo está acanhando e sóbrio. Então o ideal é levantar o astral. Madonna e Michael Jackson são uma escolha sempre certa (sempre), mas você também pode mandar qualquer pop. Ragatanga é uma que nunca falha, Papo de Jacaré vai te render umas risadas. Mas o pé na jaca, o ouro mesmo, tem que ser muito bem dosado. Acredite, você só vai querer cantar Robocop Gay quando as pessoas estiverem dispostas a rebolar. E elas vão estar!

Regra número seis: não cante Tim Maia. A gente não repara, mas a letra de músicas como Eu só quero chocolate são muito repetitivas. Você vai achar um saco e desanimar. O mesmo vale pra qualquer música de axé.


Regra número sete: karaokê é performance. Não deixe ninguém te dizer o contrário. É o mais perto de um palco que você vai estar na sua vida, então encarne. Nada consegue fazer você ficar mais ridículo.

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